Recentemente colaborei para uma matéria no UOL sobre um tema delicado, mas muito atual: o chamado ghosting financeiro. Você pode ler a reportagem completa neste link.
O que é ghosting financeiro?
O ghosting financeiro ocorre quando uma pessoa se afasta de amigos ou parceiros não por desinteresse ou falta de afeto, mas porque está passando por dificuldades financeiras e não encontra espaço para falar sobre isso. Então, muitas pessoas preferem sumir a ter que revelar que não podem arcar com um jantar, uma viagem ou até mesmo um simples encontro.
Nesse sentido, precisamos admitir que vivemos em uma sociedade que associa sucesso e aceitação social ao consumo. O convite para sair, viajar ou comemorar um aniversário frequentemente vem acompanhado de gastos que nem sempre cabem no orçamento. Admitir “não posso pagar” ainda é visto como fraqueza. Por isso, em vez de expor sua vulnerabilidade, muitas pessoas optam por se afastar. O silêncio parece, em um primeiro momento, mais fácil do que lidar com a possível reação do outro.
Essa vergonha gera silêncio, distância e, muitas vezes, mágoas desnecessárias. Em vez de expor a situação, a pessoa prefere desaparecer. E o relacionamento sofre as consequências.
Por que é tão difícil falar sobre o dinheiro?
Na entrevista, fui convidada a refletir sobre porque é tão difícil falar sobre dinheiro em relacionamentos, sejam amorosos ou de amizade. E a resposta é simples: falar de dinheiro ainda é um tabu. Como disse na matéria, “quem ganha muito não quer falar, quem ganha pouco também não. Não fomos acostumados a falar sobre dinheiro nem em casa, nem na escola e nem na roda de amigos”. Por isso, muitas pessoas, quando estão sem dinheiro, evitam sair ou preferem manter as aparências, se enrolando ainda mais.
Esse silêncio, no entanto, cobra um preço alto. A falta de transparência financeira pode abalar profundamente as relações. Muitos relacionamentos podem terminar por conta do estresse financeiro. Principalmente quando entram as dívidas no meio. Essa falta de transparência pode piorar as coisas, pois um dos dois pode estar endividado e o outro não sabe, e continua gastando como se estivesse tudo certo. Isso gera descompasso, ressentimento e dificuldade para planejar a vida a dois ou mesmo a vida em comunidade entre amigos.
Como evitar o ciclo do ghosting financeiro?
Como evitar esse ciclo? O primeiro passo é trazer o dinheiro para a mesa de conversa. Falar sobre finanças não deveria ser tabu. Todos nós temos limites, e isso não nos torna menos capazes ou menos valiosos. Pelo contrário, assumir com clareza até onde podemos ir é uma forma de cuidado com nós mesmos e com o outro.
O ghosting financeiro mostra o quanto precisamos naturalizar as conversas sobre dinheiro. Quanto mais transparência e empatia tivermos, mais fortes e saudáveis serão nossos relacionamentos. Afinal, falar de dinheiro não diminui o afeto, pelo contrário, ajuda a construir confiança e vínculos mais verdadeiros.
A jornalista também me perguntou sobre estratégias para continuar cultivando relações mesmo em momentos de dificuldade financeira. Compartilhei algumas alternativas simples, mas eficazes. “O ideal seria conversar com os amigos de verdade mostrando que estão passando por dificuldades financeiras. Dessa forma, podem propor atividades em casa ou que não sejam muito caras.”
Por outro lado, se a pessoa não se sentir à vontade para esta conversa, há pequenos ajustes que podem ajudar: chegar apenas para a sobremesa em um jantar, pedir algo mais barato no cardápio ou organizar um encontro em casa antes de sair para a balada, reduzindo os custos com bebidas.
É claro que nem sempre é simples, mas pequenas atitudes ajudam… Resumindo: sugerir alternativas de lazer mais acessíveis, ajustar expectativas para um encontro e até mesmo combinar previamente os gastos de uma viagem em grupo.
Também é essencial desenvolver autoconhecimento financeiro. Quando sabemos exatamente quanto podemos gastar, temos mais segurança para recusar convites sem carregar tanta culpa.
Ao mesmo tempo, também não se pode esquecer que estamos falando de uma via de mão-dupla… Em outras palavras, quem está do outro lado deve cultivar empatia. Assim sendo, em vez de interpretar o afastamento como desinteresse, vale perguntar com carinho: “Está tudo bem? Podemos pensar em um programa diferente?”. Essa abertura pode evitar rompimentos desnecessários e fortalecer vínculos.
Diferença entre homens e mulheres
Uma questão interessante é sobre possíveis diferenças entre homens e mulheres na forma de lidar com essas situações…
O que observo, no dia a dia do meu trabalho como planejadora financeira, é que tanto homens quanto mulheres podem ser consumistas e gastar mais do que deveriam. Mas existe um ponto cultural importante: em geral, percebo que os homens têm mais dificuldade em assumir que estão endividados, pois foram criados para serem os provedores e se sentem incapazes de prover a família.
Ao mesmo tempo, notei que, com a entrada de mais mulheres no mercado de trabalho e com a sua contribuição maior nas finanças da casa, as conversas sobre dinheiro se tornaram um pouco mais comuns do que na época dos nossos pais.
Em suma, depois de tudo o que vimos, é possível afirmar que o ghosting financeiro nada mais é do que um reflexo da forma como lidamos com o dinheiro em nossa cultura: trata-se de um assunto “proibido”, que normalmente envolve muita vergonha e silêncio. Quanto mais naturalizarmos essa conversa sobre as finanças, mais saudáveis e transparentes serão nossas relações.
Infelizmente, o silêncio sobre o dinheiro pode afastar pessoas que se importam conosco. Trazer o tema para a conversa é um ato de coragem e cuidado. Afinal, a transparência fortalece os vínculos e evita mal-entendidos. E você? Conhece alguém que já viveu o ghosting financeiro? Já vivenciou alguma experiência semelhante? Que tal iniciar essa conversa hoje?





