Imagine viajar até uma aldeia distante… Pois é, viajar até a Aldeia Lago da Praia, do povo Jaraki, foi muito mais do que cumprir uma agenda profissional onde fui convidada a dar aulas de educação financeira para comunidades indígenas no projeto de Educação Financeira e Letramento Digital das Populações Indígenas no Brasil.
Na prática, tive a oportunidade de vivenciar uma experiência que me transformou profundamente. Passei cinco dias intensos e inesquecíveis com mais 10 outros integrantes da equipe naquele território de tanta beleza e sabedoria, localizado no estado do Pará.
Para chegar até lá, percorri um longo caminho. Acredite! Longo mesmo! Foram 3 voos até Santarém e, de lá, segui por quatro horas de barco, navegando pelos rios Tapajós e Arapiuns até chegar na comunidade.
Como não poderia deixar de ser, dá para imaginar que somente essa travessia já me colocou em outro ritmo.
Nossa chegada foi marcada por uma cerimônia de boas-vindas ao redor de uma árvore, com a presença do Cacique Gilvan e dos professores da Escola, que expressaram com carinho a sua gratidão por estarmos ali. Logo me senti acolhida e respeitada por todos.
Durante as aulas, passei vários conceitos sobre educação financeira de forma simples e prática. Usei slides para a apresentação dos conteúdos e preparamos tabelas para que os participantes organizassem seus próprios números de receitas e despesas em folhas impressas.
Tratamos de temas como consumo impulsivo, necessidades e desejos, gastos invisíveis, reserva de emergências, inflação, juros e até sobre investimentos. Expliquei a diferença entre o “jurão” dos empréstimos e o “jurinho” dos investimentos e vi muitos olhos brilharem com essa nova perspectiva.
Cerca de 40 pessoas participaram das aulas, entre jovens, adultos e professores. Fiquei impressionada com o fato de que todos na Aldeia sabiam nossos nomes e valorizavam cada conteúdo compartilhado com atenção e entusiasmo.
Para se ter uma ideia, ao final das aulas, muitos me procuraram para dizer que cuidariam melhor de suas finanças, dali em diante. Ouvir isso me tocou profundamente. Embora eu estivesse lá para ensinar, fui eu quem mais aprendeu. Aprendi sobre simplicidade, alegria, generosidade, respeito e sobre a força de uma comunidade unida e em profunda harmonia com a sua terra.
Ao final de cada dia, tomávamos banho de rio, víamos o sol se pôr e escutávamos o canto dos pássaros e dos galos. Dormíamos em redes na varanda da casa da Sandra e do Nêgo, que nos acolheram com todo o carinho. Ficamos encantados com a beleza das terras da Aldeia e com o artesanato local, onde a palha trançada se transforma em cestas e utensílios cheios de beleza e significado.
E experiência não parou e seguiu intensa… Vi jovens ensaiando o Carimbó todas as noites, uma dança típica da Amazônia, com dedicação e alegria. Provei cacau recém caído do pé, sucos de taperebá e de cupuaçu. E recebi no braço um grafismo feito com tinta de jenipapo, representando a Borboleta Uranha que é símbolo de liberdade, empoderamento, felicidade, sorte, dinheiro e transformação. Um antigo elemento da renda do povo Jaraki, que carrega sentido e história.
No último dia, fomos surpreendidos com uma emocionante cerimônia de despedida. Houve música, poesia e homenagens personalizadas, inclusive uma linda poesia escrita por Gerliane Jaraki, que citava os nomes de todos nós com afeto. Uma lembrança que guardarei para sempre no coração.
Clique aqui para ler a poesia!
Mesmo com a limitação de energia elétrica e quase sem acesso à internet, a troca aconteceu. Foi uma experiência que me marcou e que, com certeza, vai me acompanhar por muito tempo.
Foi muito além de ensinar, pois aprendi e muito. Voltei com o coração transbordando de gratidão. Primeiro por poder compartilhar conhecimentos que podem fortalecer a autonomia financeira dessa comunidade, mas, principalmente, por tudo que recebi em troca. Pela troca de saberes, pelo acolhimento e pela generosidade.
Levar educação financeira a um lugar tão distante e, ao mesmo tempo, tão próximo em valores como coletividade, respeito e simplicidade, reforçou minha convicção de que esse conhecimento precisa chegar a todos, respeitando cada realidade.
Essa experiência me lembrou, mais uma vez, do poder transformador da educação financeira e de como ela pode (e deve) chegar a todos, respeitando as realidades culturais e sociais de cada um.